domingo, 25 de dezembro de 2011

A véspera de Natal e a noção de tempo.

Envelhecer é estar parado na janela, olhando a chuva torrencial que do céu desaba e se ver arrepiado ao ouvir a voz do filho à porta e em um segundo, sentir suas mãos suarem, até constatar que a semelhança de voz o enganara e aquele que se foi cedo de fato não vai voltar nunca mais. Pensar naquele que ali está, vivo e esperando um abraço, e sem timidez alguma deixar a lágrima escorrer pelo rosto, transparecendo a decepção e quase raiva da Morte por ter lhe tirado aquele que mais amava e ironicamente, tê-lo deixado com aquele que um dia ele não quis. Se ver perdido em lembranças de outras noites, perdido na previsão das próximas, aquela mulher ao lado dele com um maço de cigarros na mão esperando um sorriso. Não ir até a porta. Se limita a ver a chuva e chover junto com ela.

Envelhecer é estar à porta está parado, engolindo em seco, tirar o maço de cigarros da mão da mulher e se por a fumar o primeiro dos muitos cigarros da noite, estando já embriagado e passar em frente ao espelho da sala. Deveria ser mais baixo. Deveria ser mais branco. Deveria ter olhos menores. Deveria estar morto. Ali não merecia estar, usurpando o lugar de outro, lugar esse que nunca teve. Se ver acabado. Segundo cigarro da noite. 

Envelhecer é estar de saltos altos e cabelo perfeitamente arrumado na cozinha aonde esteve em todos os dias dos últimos 35 anos e que amanhã a receberá como sempre recebeu. Se sentir realizada a cada vez que ouve o portão da casa abrir e vê, no simples ato de cozinhar pra muita gente, a justificação de sua existência. Não controlar o choro ao ver o filho chegar com a mulher, não querendo borrar a maquiagem e nem encostar nele com suas mãos cheias de comida. Volta a seus afazeres ainda chorando e se lembra dele puxando suas saias e dizendo que papai noel ainda não havia chegado com seu presente. Sentir-se viva por estar de cabelo arrumado e picando legumes. 

Envelhecer é chegar com um saco de presentes dos mais variados e entregá-lo a alguém com um sorriso no rosto. Vê-la abrir e tirar cada um dos pequenos objetos ali misturados, uma boneca, uma bola com o desenho de um olho verde que lembra o seu, bóias de se colocar nos braços, um óculos de natação, a foto amarelecida de uma senhora. É perceber no rosto daquela que a sua frente estava, o atraso de quase 20 anos naquela embalagem de loja de brinquedos e, a ponto de uma crise convulsiva em meio ao choque, ir procurar mais uma lata de cerveja.

Envelhecer é ver aquele que julga ser o amor da sua vida mais uma vez entregue ao vício, entregue ao riso descontrolado e às histórias vazias, contando aos outros sobre as noites vividas com outra e sobre aquela linda menina que pôs no mundo e que havia herdado dele os olhos verdes. Mesmo assim, chama todos à mesa, em solidariedade pede uma oração universal, e lhe faz um prato com todo o carinho, observando-o comer desajeitado e agir como uma criança dizendo que está com sono, que quer ir embora. Dar a chave do carro àquela que ganhara brinquedos. Segurar a mão e vê-lo dormir ao seu colo.

Envelhecer é viver o instante que vai das 23:59 do dia 24 de dezembro à 00:01 do dia 25 e constatar que nesses dois segundos, a vida de um ano inteiro é condensada. Envelhecer é viver vésperas de Natal. 

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