segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"A cidade que nunca deu certo."

    Mais uma vez era eu ali. Aquele mesmo cenário, aquela mesma terra vermelha, aquela mesma gente maltratada que naquele lugar sempre esteve e dá a impressão de ser eterna. Poderia dizer que vi aquelas mesmas caras há anos atrás, mesmo sabendo que são rostos mais novos do que eu. Rostos que já deram origem a outros enquanto eu, tão veemente quanto posso, me nego a tal ato. Algumas, de fato eram conhecidas. Não me reconheceram. Nem eu me reconheceria.

    Mas apesar do mais do mesmo que paira sobre minha pequena Dogville particular, ali era uma situação avessa. Uma passada rápida e repentina, diferente de todas as outras cuidadosamente planejadas com semanas de antecedência, contando os poucos e porcos feriados. Um belo carro ao invés dos velhos ônibus que se desfacelam a cada passada de marcha. Uma conversa incessante, sobre um passado nem tão distante assim, mas não era a conversa de sempre lembrando dos mesmos episódios de uma adolescência que ainda não terminou, era uma conversa nova. Era um alguém novo.

    Um bom tempo sentados em belas cadeiras, bem alimentados, esperando pela única coisa que ali fomos fazer, mas meus olhos não paravam de olhar o em volta e tentar nele, resgatar o em volta de outrora. Ali se fez claro como o céu da cidade sem fábricas, estava ali de volta e era outra. A cidade, a pessoa. Os motivos até capto, mas como isso se deu, eu perdi. Mas estava ali de passagem sem procurar por mim em esquina alguma, e apenas isso. Não era um lugar qualquer, mas era um lugar como qualquer outro.

    Ao fim, o convite óbvio de viver algo que me é tão raro, e surpreendentemente, a recusa. Não perdeu a história, apenas perdeu a fantasia. A última das caixas fora aberta e tudo foi posto em seu lugar. Joguei fora todo o resto, junto com algumas latas vazias de tinta. A sensação é aquela de terminar uma mudança e ter a casa limpa. Já não pertenço mais a um espaço. Estou comigo. E acabou.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Marrom claro,
a um suspiro do verde.
Tudo à minha volta agora está nesse tom.
A plena sensação de estar perdida num pântano,
me afundando em areia movediça.
Correndo por cada centímetro da minha pele,
de forma tão delicada e tão envolvente,
mas ao mesmo tempo,
tão intensa e firme.
Tento mover meu pé, sem sucesso,
e assim, apenas desço um pouco mais.
Meu outro pé, engolido já foi,
e em pouco tempo, estou presa pela altura da cintura,
nessa imensidão de cor indefinida.
Não, não adianta tentar fugir.
Não hoje.
Não agora.
Então me permito, relaxo,
e de repente, percebo que os braços se movem,
as pernas se mexem em ritmo,
e sinto, estou livre.
Envolvida, enlameada, grudenta,
mas livre.
E pensando bem, ali fui parar por minha conta e risco.
e cada mínimo movimento, de cada grão milimétrico,
que se esvai numa torrente de água,
me pega como carícia.
Não, não adianta tentar fugir.
Não hoje.
Não agora.
Vou ficar por aqui, deixo o lá fora pra depois.
Afogada, e conscientemente perdida,
nesse mundo que só eu vi.
Marrom claro,
a
um
suspiro
do
verde.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012



Já é fim de carnaval,
mas por aqui, o que tocam são guitarras,
e ao meu lado, está a bebida que não foi terminada ontem.
Já é fim de carnaval,
a quarta-feira de cinzas a bater na porta.
Sem marchinha que nos faça dançar,
sem máscara que nos oculte a cara,
Na quinta, todos estarão de volta ao mais do mesmo,
e quanto à mim, acho que alongo o feriado um pouco mais.
Já é fim de carnaval e eu não me importo,
volto daqui a pouco pra cama, mesmo com o sol quente.
Contemplo de novo a dose intacta no copo,
olho pra trilha de brasas no piso branco,
me perco mais um pouco na música,
e observando o peso de minhas pernas no sofá,
intimamente confortáveis, no silêncio entrecortado por crianças na rua,
e com ruídos que eu suponho saber de onde vêm, mas não me arrisco a dizer,
esboço um sorriso, até mesmo um suspiro.
Não, esse carnaval não vai acabar por agora.





Devidamente adaptado.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O vôo de Ícaro.

Como Ícaros em busca do Sol,
vemos nossas asas derreterem perto do sonho,
caímos no mar e dali nos encerramos.
Dói a Dédalo, que enxergando a possibilidade, fez um aviso,
e que fica no mundo,
enquanto o corpo afunda e torna-se nada.

Que caminhos fez com que decidisse ir ao Sol?
Como terá sido aproximar-se dele?
Teria ele se arrependido ao sentir a queda livre?
Teria ele se deixado cair, enebriado, ao ter conseguido voar até onde bem quis?

As respostas se perdem no mar,
junto a um corpo sem asas,
e com ele vão afundando,
sem que Dédalo vá um dia saber de algo.

Em meio à incerteza, o mundo se mostra sem assoalho,
e vendo o Infinito aos nossos pés,
não nos resta mais nada, além de voar por vontade,
sabendo que a esse voar nos resumimos,
e que nesse voar nos fazemos por nós mesmos.

Morreremos todos sem arrancar de Ícaro seus motivos,
e sem saber sobre o segundo que sucede a queda.
Mas acima de tudo, morreremos conscientes
de que nossas asas obedeceram nossas vontades,
de que um dia seremos queimados pelo Sol,
de que alguém ficará sem respostas no mundo,
mas nós, em queda livre,
saberemos de tudo,

Desse tudo que nos constrói,
desse tudo que nós construímos,
pois nosso tudo, nossas verdades e nossos motivos,
apenas a nós pertencem e a nós interessa,
e conosco se encerram junto com nossas asas queimadas.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Já tão cedo, casa morta. Cansaço de dias que se faz em sono à noite, o esforço da lembrança de que no dia seguinte as obrigações estão batendo na porta de novo. Uma bela lua no céu me tira qualquer vontade de dormir, pego livros aleatórios em minha estante e me ponho a ler grifos, círculos, anotações em letra apressada. Regrifo, reanoto, releio. 

Por que de vez em quando, a literatura não é suficiente, e qualquer tentativa de fazê-la estender-se ao espaço do vivencial é, pura e simplesmente, uma tentativa .

sábado, 4 de fevereiro de 2012

O dia seguinte.

São 3 da manhã, sequer menção de sono,
Luz amarela distante, fazendo sombra no quarto.
Uma estante inteira de livros lidos,
sem muita gente a quem recorrer,
vejo-me na inquietante e corriqueira situação 
de simplesmente deixar minha mente correr como quiser,
e constatando que, por mais que a deixe desimpedida,
ela acaba indo sempre pro mesmo lugar.
Levanto, sem nada que me cubra,
páro de frente ao espelho,
contemplo ali todas as marcas do que fiz ao longo de uma vida curta,
cicatrizes de uma infância ralando joelhos no asfalto mal feito,
Rastros de mãos e bocas,
Os mesmos olhos míopes, corpo mirrado,
como diferença, apenas uma boca intensamente vermelha,
e os cabelos enormes, fazendo um calor absurdo.
Parece que está certo,
muita coisa mudou num espaço curto de tempo,
o quarto agora parece Roma em chamas,
talvez por mim tenha passado um incêndio,
talvez isso explique o quanto pareço desfigurada a quem me conhecia,
mesmo que em carne, o mesmo tenha se mantido.
Desligo as luzes, fones no ouvido,
uma única música e meu corpo adormece,
e após um sono sem sonhos,
nada melhor do que acordar
e ver que ainda habito a mesma pele marcada.