– Vá para lá –, diz ele
Nu, segue na direção indicada.
Passos calmos, como nas velhas caminhadas,
sabe que não há motivo para pressa,
sabe que agora, não há motivo pra nada,
mas se vê inquieto,
a possibilidade do reencontro
o invade como peste.
O dono do lugar o chama com sorriso amigo,
diz que há muito esperava conhecê-lo pessoalmente
que admirava seus olhos perfurantes,
e agradece todo o serviço prestado.
Olhando em volta, percebe vários rostos e corpos conhecidos,
algumas mulheres com quem passara boas e más noites,
amigos antigos, de quando estava aprendendo
a ser um batedor de carteira barato,
e cabeças abertas, cujo corte ele reconhece,
específico, quase uma obra de arte, inventado por ele,
boa parte daquelas pessoas, ele mesmo havia mandado para lá.
Com um simples aceno de cabeça se despede,
nunca ouviu a mesma pessoa por mais de quinze minutos.
Não seria o Demônio a conseguir a proeza.
Continua caminhando, ainda mais lentamente ainda,
prestando atenção em cada rosto,
procurando por ela em cada um deles,
gelado por dentro, apesar do fogo do lado de fora.
Ao longe, isolada de tudo e todos,
ali está, olhando para o nada.
Não precisou sequer chegar perto,
ela já pede que se sente.
Mais uma conversa com mais espaços que palavras,
diz que perdera a vida num jogo de poker.
Apostara tudo o que tinha,
a mão valia a pena,
mas boas mãos não são a prova de bala.
Fala do que acontecera,
a mãe dela morrera de velhice, sem dúvidas estava no céu,
a cidade havia progredido,
quase matara o Papa,
mas ali, o calculismo e a mira dela fizeram falta.
Dali em diante, não se ouve mais nada de nenhum dos dois,
o hiato permanece,
e permanecerá,
não há o que dizer quando se está na Eternidade,
e agora, sem mais a quem matar,
cercados dos mortos que eles mesmos fizeram,
cercados pelo fogo que ajudaram a construir,
e partilhando seus pecados,
ele suspira,
e diz que já estava cansado.
Deitam-se e dormem ali mesmo,
sob o olhar quase paternal do Diabo
que vê naqueles dois seus maiores pupilos,
as melhores das piores almas que já fez,
cuja foto está em sua escrivaninha,
ao lado do livro dos condenados.

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