segunda-feira, 23 de abril de 2012

Continua.

Sinto o vento apenas numa metade minha,
e o sono se desvanecendo devagar
enquanto alguém fala ao meu lado,
recém-acordada,
ainda não entendo muito bem o que é dito,
mas tudo soa tão bonito,
continua falando, por favor,
estou gostando de ouvir sua voz.

O sol ainda está nascendo,
e eu finalmente estou desperta,
quantas cores estão lá fora
e que nos invadem aqui dentro,
bota uma música,
vamos deitar de frente pra janela,
continua me abraçando, por favor,
estou gostando de sentir você respirar.

Está na hora de sair e ver as cores de perto,
lava o rosto, ou melhor, toma um banho rápido,
ainda quero um beijo antes de abrir a porta,
e estou começando a ter fome,
então vamos, estamos prontos,
o domingo está lindo nos esperando.

Mas continua me olhando, por favor,
estou gostando de ver você feliz.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Eu e minhas circunstâncias.

Poderia ter demorado mais cinco minutos.
Poderia ter virado para o outro lado,
ter ido pela rua de baixo,
parado numa padaria pra tomar um café.

Poderia morar a 30 quilômetros daqui,
ter o cabelo loiro e 1,80 de altura,
usar saia e ouvir U2.

Poderia ter nascido em outro lugar
falar uma língua qualquer que não
o trôpego e complexo português.

Poderia estar pelos Jardins
ansiando por um sorvete de gorgonzola
enquanto desfilaria com saltos que torneiam minhas pernas.

Poderia estar embaixo da ponte,
tendo mais quilos de ossos
do que moedas no meu bolso
me arrastando em troca de água limpa.

Poderia várias coisas, mas não fiz,
não quis, não pude ou não fui.
Cheguei na hora em que achei que deveria chegar,
fui para o lado que quis, pela rua que quis,
deixei pra tomar café em casa.

E como conseqüência disso tudo,
Estava ali, naquele lugar, naquele momento, meio sonolenta,
deitada e enrolada num edredom branco.

E não me arrependo.
Não me arrependo.


sábado, 7 de abril de 2012

O mundo.

Um mundo inteiro está à minha frente,
e de tão pleno
me vejo tomada.
Em silêncio, olhos vidrados,
contemplo aquilo que se faz visível 
sinto o ar se esvair completamente de meus pulmões,
Por um segundo, 
estava ali morta,
inerte, acabada,
incapaz de reagir
tamanho o êxtase.
Lágrimas insistem em querer sair,
ao final, acabo permitindo que tudo aconteça,
o choro, o soluço, 
o riso desenfreado, desesperado,
desmedido e destemido.
Eu tenho um mundo inteiro à minha frente,
e dele vou viver cada instante,
não abro mão de um segundo sequer.
Eu e o mundo,
o mundo e eu,
o tempo e o espaço,
o suspiro,
e o abraço.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Leio Neruda numa tarde de sábado,
atropelando palavras, esquecendo pronúncias,
risos e lágrimas se alternando
na mais sublime das vivências possíveis.
Uma tia morta colabora
na montagem de um cenário perfeito,
e o resto, ficam por conta do acaso e da vontade,
e de toques estratégicos,
nem que seja apenas num fio de cabelo desalinhado,
tentando colocá-lo no lugar.
O sol se põe,
a noite chega,
a luz do poste ilumina um pé,
a luz do computador ilumina todo o resto,
quatro páginas de palavras pedindo pra serem relidas,
organizadas, editadas, publicadas,
recitadas ao pé do ouvido,
vividas mais uma vez,
como foram numa noite de torpor,
que terminou com All Stars vermelhos jogados na sala.
O tempo continua passando,
e aos olhos, vão caindo o melhor dos sonos,
o sono de quem já foi tão feliz
que precisa descansar pra continuar sendo.
O barulho ao longe, é hora de acordar,
hora de dar o último aperto no abraço,
hora de começar a contar os segundos de novo,
hora de voltar à vida prática,
e soltar um suspiro desconsolado
de quem não queria ir embora,
e um suspiro aliviado,
de quem lembra que isso não acabou.

domingo, 1 de abril de 2012

Sonetos de amor, Pablo Neruda.

XXVII

Nua és tão simples como uma de suas mãos,
lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tens linhas de lua, caminhos de maçã,
nua és magra como o trigo nu.

Nua és azul como a noite em Cuba,
tens trepadeiras e estrelas no pêlo,
nua és enorme e amarela
como o verão numa igreja de ouro.

Nua és pequena como uma de tuas unhas,
curva sutil, rosada até que nasça o dia
e te metes no subterrâneo do mundo

como num longo túnel de trajes e trabalhos:
tua claridade se apaga, se veste, se desfolha,
e outra vez volta a ser uma mão nua.



XXXIX


Mas esqueci que tuas mãos satisfaziam
as raízes, regando rosas emaranhadas,
até que floresceram tuas digitais pisadas
na plenária paz da natureza.

O enxadão e a água como animais teus
te acompanham, mordendo e lambendo a terra,
e é assim como, trabalhando, desprender
fecundidade, fogoso viço dos cravos.

Amor e honra de abelhas peço pra tuas mãos
que na terra confundem sua estirpe transparente,
e até em meu coração abrem sua agricultura,

de tal modo que sou como pedra queimada
que de súbito, contigo, canta, porque recebe
a água dos bosques por tua voz conduzida.